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Vizinhos da China em alerta após aumento de gasto militar

Julian Ryall Tóquio | William Yang Taipei
10 de março de 2023

Anúncio de Pequim sobre orçamento de defesa recorde ocorre em momento de tensões geopolíticas na região. Especialistas acreditam que China quer se transformar em potência naval.

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Porta-aviões chinês visto do alto
Analistas apontam incremento de gastos militares como estratégia da China para se tornar uma potência navalFoto: Zhang Lei/HPIC/dpa/picture alliance

Na abertura da sessão anual da Assembleia Popular (ANP) da China – o Parlamento chinês – Li Keqiang, primeiro-ministro prestes a deixar o cargo, anunciou um aumento dos gastos militares do país, fundamentadas pelo que apontou como "escalada" das ameaças de segurança do exterior.

O governo em Pequim pretende gastar neste ano cerca de 1,55 trilhões de yuans (22 bilhões de dólares) em suas Forças Armadas. Os gastos com defesa da China ainda são pálidos se comparados com os dos Estados Unidos, que planejaram mais de 800 bilhões de dólares em despesas militares para este ano.

Porém, analistas ocidentais acreditam que Pequim gasta muito mais em defesa do que as somas anunciadas oficialmente.

"Desde 2000, a China embarcou num processo de expansão e modernização militar abrangente e de longo prazo", lembra Drew Thompson, especialista em China na Escola Lee Kuan Yew de Políticas Públicas na Universidade Nacional de Singapura. "O aumento mais recente do orçamento militar é muito condizente com o que observamos nos últimos 22 anos."

Para Tzu-Yun Su, analista no Instituto de Defesa Nacional e Segurança (INDSR, em inglês) em Taiwan, os planos de gastos com defesa da China refletem a intenção de Pequim, uma potência de terra, de se transformar numa potência naval. "O estreito de Taiwan, o Mar do Sul da China e o Mar do Leste da China serão as áreas cobertas na primeira fase da expansão militar de Pequim", acrescenta.

"Em seguida, a China deverá se concentrar em expandir para a 'segunda cadeia de ilhas', onde quer influenciar um reposicionamento de poder", acrescenta. A chamada "segunda cadeia de ilhas" inclui as ilhas que se estendem do Japão até Guam e as ilhas da Micronésia.

Maior percepção de ameaça

O anúncio sobre o orçamento militar chinês ocorre num momento de crescentes tensões geopolíticas na região do Indo-Pacífico. Vários países, do Japão, passando pela Coreia do Sul, até as Filipinas, estão preocupados com o aumento da presença e influência de Pequim na região.

A percepção de uma ameaça crescente à segurança regional fez com que esses governos se concentrassem em suas próprias estratégias de defesa e aumentassem os gastos militares. O Japão, por exemplo, anunciou despesas de 6,82 trilhões de ienes (51,7 bilhões de dólares) para o próximo ano, uma alta de cerca de 26% em comparação com o ano anterior.

O governo do primeiro-ministro Fumio Kishida também divulgou o maior reforço militar desde a Segunda Guerra Mundial, o que significa uma guinada dramática na política pacifista que o país manteve nos últimos 70 anos.

O plano de reforma militar prevê que Tóquio duplique os gastos com defesa para 2% do Produto Interno Bruto (PIB), e que compre mísseis com capacidade de atingir navios ou alvos terrestres a mil quilômetros de distância.

Equilíbrio das relações entre EUA e China

A Coreia do Sul também se mostra cada vez mais apreensiva em relação ao poderio militar da China, mas o desafio mais imediato e urgente do governo de Seul envolve a Coreia do Norte. O regime de Pyongyang aumentou drasticamente manobras agressivas nos últimos meses, com um número recorde de lançamentos de mísseis no último ano.

"A Coreia do Sul precisa ficar mais atenta à ameaça que a China representa por causa da situação na Península da Coreia, onde a China poderia intervir a favor do Norte caso haja algum conflito, mas Seul também reluta em se envolver numa 'competição de grandes poderes' entre Pequim e Washington", explica Ryo Hinata-Yamaguchi, professor assistente no Centro de Ciência Avançada e Tecnologia na Universidade de Tóquio.

A Coreia do Sul possui estreitas relações de segurança com os Estados Unidos, mas a China é o parceiro comercial mais importante de Seul – uma situação que força o governo a andar numa corda-bamba diplomática para garantir boas relações tanto com Washington quanto com Pequim.

Enquanto o governo do presidente Yoon Suk-yeol anunciou planos para aumentar as despesas militares, a maior parte do equipamento deverá ser empregada para enfrentar as ameaças que a Coreia do Norte representa.

Para enfrentar a China, Seul procura fortalecer suas alianças de segurança. Nesta semana, a Coreia do Sul concordou em encerrar uma disputa longeva com o Japão sobre acusações ligadas ao regime brutal de Tóquio na Coreia entre 1910 e 1945 – uma decisão amplamente vista como uma troca por melhores laços no setor da Defesa.

"A assertividade da política externa da China e o aumento de gastos militares estão entre os motores da melhora estratégica nas relações entre o Japão e a Coreia do Sul", constata Leif-Eric Easley, professor associado de Estudos Internacionais na Universidade Ewha Womans em Seul.

"O novo entendimento do governo de Yoon Suk-yeol com o governo japonês do premiê Fumio Kishida reflete uma vontade de avançar com a reconciliação e garantir que a história não sequestre a urgência da cooperação no âmbito da segurança regional", avalia.

"Washington apoia seus aliados na Ásia no interesse de esforços trilaterais, para lidar com vários desafios oriundos da Coreia do Norte e da China", acrescenta o professor. "Mas uma questão-chave é se os líderes em Seul e Tóquio terão capacidade de completar a lição de casa doméstica para fazer com que a coordenação internacional seja sustentável", questiona.

Apreensão em Taiwan

O aumento das capacidades militares de Pequim também vêm sendo fonte de apreensão em Taiwan, que a China considera seu território e da qual quer assumir o controle.

Autoridades americanas alertaram repetidas vezes que a China pode invadir a ilha autônoma democrática nos próximos anos, destacando o incremento de movimentos militares no Estreito de Taiwan.

Segundo o analista Tzu-Yun Su, o desembolso militar previsto pela China para 2023 é 11 vezes maior que o de Taiwan, o que pressiona as finanças do território. "Mas, uma vez que a China tem cinco zonas de combate, os recursos de defesa serão mais esparsos", aponta.

O analista também exorta Taiwan a adotar completamente o que chamou de "equipamento militar assimétrico", uma tática que autoridades americanas também pediram ao governo em Taipei. "Se Taiwan priorizar investimentos em mísseis anti-embarcações e sistemas de defesa aérea, terá grande chance de neutralizar a vantagem numérica da China com suas munições e soldados", destaca.

Fortalecendo alianças com a segurança dos EUA

As tensões entre a China e as Filipinas também vêm aumentando nos últimos meses. As Filipinas registraram dezenas de denúncias contra as atividades chinesas no Mar do Sul da China, incluindo a acusação de que uma embarcação chinesa usou um "laser de nível militar" contra um barco de patrulha filipino nas águas disputadas.

Enquanto a China reclama a soberania quase integral do Mar do Sul da China, as Filipinas, o Vietnã, a Malásia e Brunei possuem reivindicações que se sobrepõem nessas águas.

O presidente das Filipinas, Ferdinand Marcos Jr., afirmou que seu país "não vai perder um centímetro" de território. Seu governo fortaleceu a aliança militar entre Manila e Washington, permitindo a tropas americanas o acesso a mais quatro bases no país e retomando patrulhas conjuntas no Mar do Sul da China.

Para Su, as preocupações compartilhadas sobre o aumento da agressividade e a presença da China podem fazer com que países na região considerem a possibilidade de criar um órgão como uma "Otan marítima", ou aliança militar regional.

"A cooperação de segurança no Indo-Pacífico se concentra nos Estados Unidos e, nos últimos meses, vimos Washington fortalecer a cooperação militar bilateral com países como o Japão, a Coreia do Sul e as Filipinas", observa. "São esforços importantes para equilibrar a dinâmica de poder na região e frear a expansão do poder marítimo da China", afirma.