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Para ter o Brasil a seu lado, Berlim topa fazer vista grossa

14 de março de 2023

Durante sua viagem ao Brasil, ministros alemães Habeck e Özdemir destacaram pontos em comum entre Alemanha e Brasil e ignoraram decisões questionáveis do governo Lula, observa o jornalista Alexander Busch.

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Robert Habeck e Cem Özdemir em Belo Horizonte
Robert Habeck e Cem Özdemir durante o Encontro Econômico Brasil-AlemanhaFoto: Nádia Pontes/DW

Pela primeira vez desde o início da pandemia de covid-19, o Encontro Econômico Brasil-Alemanha foi realizado presencialmente, desta vez em Belo Horizonte.

O evento foi dominado pelos ministros alemães Robert Habeck, da Economia, e também vice-chanceler federal, e Cem Özdemir, da Agricultura e Alimentação, que chegaram à capital mineira já no início da manhã de domingo (12/03) com uma delegação de 70 pessoas, e cumpriram uma agenda intensa quase até a partida para Brasília, na manhã de segunda-feira.

Ambos repetiram, a cada oportunidade, que, com o início do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Berlim e Brasília querem de novo acertar o passo.

Isto é novo: desde 2015, apenas um ministro alemão havia ido a Brasília – Heiko Maas, então ministro do Exterior, esteve na capital brasileira em 2019. O politicamente questionável impeachment da presidente Dilma Rousseff em 2016, a eleição do populista de direita Jair Bolsonaro em 2018 e sua política ambiental catastrófica transformaram o Brasil num destino indesejável. Nenhum chefe de governo ocidental queria ser visto em Brasília ou ser recebido por Bolsonaro. 

Agora, tudo mudou: Lula quer reconstruir tudo o que seu antecessor populista destruiu em direitos humanos, combate à pobreza e sobretudo proteção ambiental.

Como num mantra, os dois ministros explicaram que veem o Brasil como um parceiro ideal. Eles fizeram isso no encontro com representantes de empresas alemães, na abertura do Encontro Econômico, na assinatura de protocolos de intenções para ampliar a cooperação. A todo momento, ambos elogiaram o anfitrião Brasil.

Habeck fez questão de mostrar sua euforia por ter de novo o Brasil ao lado daqueles que querem proteger o meio ambiente e o clima mundial. "Temos de agradecer por ter de novo um governo que quer proteger a floresta tropical", disse, acrescentando, já em tom emotivo: "Lágrimas me vêm aos olhos quando vejo como esse governo está dando um giro de 180 graus" na proteção ambiental.

Por isso Habeck e Özdemir insistiram no acordo entre a União Europeia e o Mercosul, que já foi negociado, mas acabou sendo posto de lado em 2019 por causa da política ambiental do governo Bolsonaro.

Ambos consideram o acordo necessário para fazer frente ao avanço da China na América do Sul, pois este sim compromete a proteção da Amazônia e o meio ambiente na América do Sul. Também o agricultor alemão não pode ter interesse num mundo de regimes cada vez mais autoritários.

O que ambos os ministros alemães ignoraram é que, meros dois meses e meio depois da posse do novo governo, algumas decisões do novo governo se mostram não tão sustentáveis. Trata-se de corrupção, clientelismo, investimentos na exploração de petróleo.

Tudo isso deixa dúvidas de que o governo Lula vá se ater aos critérios ESG, sigla em inglês para meio ambiente (environment), social e governança.

Por exemplo: Lula nada mudou nos seus 37 ministérios, apesar de amplas suspeitas de corrupção e de relatos na imprensa sobre isso. Lula espera, afinal, contar com votos no Congresso.

Comandos de empresas estatais deverão de novo serem ocupadas por políticos e não por especialistas de comprovada capacidade.

Lula atacou em fortes termos a independência do Banco Central. Ele nomeou sindicalistas ligados ao PT para fundos de pensão com enormes recursos para investimentos.

Esses são apenas alguns exemplos de decisões que deixam dúvidas quanto ao G dos critérios ESG, ou seja, se o governo vai diferenciar entre interesses próprios e públicos.

Nada disso é um bom sinal, pois os governos do PT foram marcados por grandes escândalos de corrupção.

E também na proteção do clima o novo governo tomou decisões questionáveis. A Petrobras, por exemplo, deverá de novo investir pesado em produção de petróleo e refinarias – e só depois vai se pensar numa redução de emissões. Como isso vai ajudar o Brasil a alcançar suas metas de emissões, ninguém sabe.

Do ponto de vista estratégico, é compreensível que Berlim esteja destacando os pontos em comum com Brasília – por exemplo para estreitar a cooperação no acordo com o Mercosul. Mas é ingênuo pensar que, como num passe de mágica, tudo mudou para melhor no Brasil no dia 1º de janeiro.

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O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.