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O homem brasileiro ainda tem medo do divã?

Nina Lemos
Nina Lemos
24 de outubro de 2023

Seleção masculina de futebol não tem acompanhamento psicológico desde 2014. Um reflexo da sociedade brasileira, em que oito em cada dez homens, educados com a ideia de que "depressão é frescura", nunca fizeram terapia.

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Neymar
Neymar teria dito que não precisa de psicólogo porque "não é louco"Foto: Martin Meissner/AP Photo/picture alliance

"Não preciso de psicólogo. Não sou louco." Essa frase repercutiu no Brasil na semana passada, quando voltou a ser atribuída ao ídolo controverso Neymar por um colunista esportivo. Não sei se o jogador realmente disse isso. Mas de uma coisa eu tenho certeza: esse tipo de frase é repetida todos os dias mundo afora. E principalmente por homens. Já escutei versões dessa mesma bobagem negacionista repetida por tios, amigos e ex -namorados.

Esses mesmos caras viviam estressados, bebiam demais, ou até passavam a ter problemas de saúde seríssimos, como enfarte. Sim, falta de cuidado com saúde mental mata.

Mas, por incrível que pareça, o clichê do homem que rejeita terapia não ficou no passado. A Seleção Brasileira de Futebol parece ser um bom exemplo de como anda o assunto e as cabeças dos homens.

A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) confirmou ao portal Metrópoles que a última vez em que a Seleção contou com acompanhamento psicológico foi na Copa do Mundo de 2014 – quando foi eliminada pela Alemanha numa derrota traumática por 7 a 1.

Será que é possível se livrar de um trauma assim sem ajuda especializada? Acho difícil. E os especialistas em esportes concordam. Hoje, é senso comum que ter acompanhamento psicológico é fundamental para o bem estar e o desempenho de esportistas.

Seleções de ponta e campeãs, como a França e a Alemanha, têm terapeutas em suas equipes. A Seleção brasileira feminina também, o que não me surpreende em nada, já que em geral as mulheres são muito menos resistentes a "cuidar da cabeça".

Acho (e espero) que isso tem melhorado um pouco e que muitos homens mais novos não pensam mais que procurar terapia é coisa de "covarde", de quem fica de "mimimi", ou de "mulherzinha". Sim, os ignorantes machistas quando querem ofender os seus colegas os chamam de… mulheres. Haja!

A seleção parece ser um pequeno retrato da realidade brasileira. Segundo uma pesquisa divulgada em maio pela revista GQ, 80% dos homens brasileiros nunca fizeram terapia.

Como eu já imaginava, os homens da minha geração, aqueles que foram educados achando que "homem não chora" e que "depressão é frescura"(entre outras ignorâncias), são os que menos procuram ajuda. Entre os homens de 45 anos ou mais, apenas 13% fazem terapia. No caso dos caras entre 25 e 34 anos, o número sobe para 21%. Ainda é pouco? Sim. Mas já é alguma coisa.

Os bons exemplos de Richarlison e Rodrygo

Acho que dá para ter esperança na rapaziada. E a própria Seleção tem dois exemplos de que talvez eu esteja certa no meu otimismo. Enquanto a suposta frase de Neymar e o fato de a Seleção não ter um psicólogo causam críticas (justas) Brasil afora, jogadores mais novos jogam o preconceito longe.

Richarlison, de 26 anos, uma das maiores estrelas jovens da Seleção, anunciou que começou a fazer terapia para lidar com um momento pessoal difícil (entre outras coisas, ele desabafou sobre amigos que "só queriam saber do seu dinheiro").

Com apenas 22 anos, o jogador Rodrygo Goes, atacante do Real Madrid e que perdeu o pênalti que eliminou o Brasil da última Copa, também disse que fazia terapia para lidar com esse trauma e outros problemas da vida.

Em entrevista ao portal UOL , ele, tão novo, foi muito mais maduro que a maioria dos caras de 40 anos. "Eu tinha uma imagem de psicólogo de que era uma coisa que só pessoa doida faz ou alguma coisa assim. Eu tinha essa imagem até começar a fazer e ver que isso pode salvar a vida de muitas pessoas. Me ajudou muito."

Que coisa boa. Lembro que, ao ver a cena, temi por ele. Um trauma assim poderia fazer com que ele desistisse de sua carreira, entrasse em depressão. Que bom que ele teve essa sabedoria e não foi pego pelos discursos negacionistas de saúde mental.

Amigo leitor, mire-se nesses exemplos. Vocês não precisam carregar o peso do mundo sem dividir. Vocês podem chorar. E fazer terapia não dói (mentira, quando a terapia é realmente boa, dói para caramba, mas depois a gente melhora). E entendam, a gente precisa, sim, de ajuda. Viver é complicado. Fora isso, obviamente, lembre-se, depressão e ansiedade são doenças. E matam.

Não é questão de ser "louco", de "ser fresco". Saúde mental é também sobrevivência. Se você estiver se sentindo triste, deprimido, ansioso, procure ajuda psicológica. Não tenha medo. Força, você consegue.

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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo "02 Neurônio". Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.

O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.

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O estado das coisas

Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000. Desde 2015, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão em Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada.