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CatástrofeRússia

Inundação na Rússia: entre causas naturais e descaso estatal

Aleksei Strelnikov
11 de abril de 2024

População de Orsk, nos Montes Urais, acusa autoridades de negligência na ruptura de represa que deixou milhares desabrigados. Há indícios de desvio de material durante as obras de construção. Protestos são abafados.

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Cidade russa inundada
Relatos sobre tentativas de evacuação de Orsk são conflitantesFoto: Yegor Aleyev/TASS/dpa/picture alliance

Degelo nos Montes Urais e chuva incessante causaram inundações em diversas regiões da Federação Russa. A cidade mais afetada é Orsk, à margem do rio Ural, na província de Oremburgo, onde uma represa se rompeu. Dentro de poucos dias, o nível da água atingiu dois metros; casas e os primeiros andares de prédios residenciais ficaram alagados. Foram evacuados mais de 6.400 habitantes, pelo menos dois morreram. Ao todo, mais de 10 mil edifícios da área estão sob água.

Yekaterina, de Orsk, conta que, na manhã de 5 de abril, seus pais, que moram nas proximidades da barragem, notaram vazamentos. À noite lá já estava um buraco: dentro de três horas sua casa estava alagada. A família conseguiu abrigo nas cercanias da cidade, junto a amigos.

Quando a água tiver recuado, Yekaterina espera poder reaver parte de seus bens, porém os reparos só poderão começar quando as autoridades tiverem determinado a extensão dos danos. "Tem dezenas de milhares de casas assim, quem sabe quando vai chegar a nossa vez. Mas onde é que nós vamos morar? Além disso, os subsídios dificilmente vão cobrir os custos da reconstrução."

Também a casa de Yelena Matveyevskaya foi inundada: "O primeiro andar ficou debaixo d'água, mas deu para salvar parte do mobiliário no segundo andar." Nesse ínterim, seu marido e filho voltaram à casa para observar, pois foram avistados saqueadores no local.

Funcionários da defesa civil russa em local de enchente
Em alguns locais, até primeiros andares de prédios ficaram alagadosFoto: Russian Ministry of Emergency/Anadolu/picture alliance

Corrupção ou causas naturais?

Matveyevskaya integra uma iniciativa que em 8 de abril pôde falar com o governador da região de Oremburgo, Denis Pasler. Ao mesmo tempo, diante do prédio da prefeitura estavam reunidas centenas de cidadãos irados. Alguns gritavam "Vergonha!" e exigiam a renúncia dos líderes municipais; outros gravaram um vídeo em que bradavam em uníssono: "Putin, socorro!".

A manifestação espontânea foi imediatamente dispersada pela polícia, sob a alegação de tratar-se de uma reunião ilegal. No entanto, a multidão enfurecida prosseguiu reclamando que os serviços estatais não estavam preparados para a enchente e que, dias antes do rompimento, já haviam sido constatados vazamentos na represa.

Matveyevskaya conta que no encontro com o governador expressaram-se suspeitas de que um dos motivos da catástrofe seriam conluios corruptos dentro da liderança local: "Uma moça contou a Denis Pasler que o avô dela, que participou da construção do dique, teve que levar a metade do entulho e do material de construção para um canteiro de obras particular do prefeito." Segundo o governador, porém, a causa seria a "enchente fora do comum".

As autoridades de Orsk prometem ajuda à população: até 100 mil rublos (R$ 5.450) para aqueles cujas casas foram completamente inundadas, em outros casos entre 10 mil e 50 mil rublos.

Cidade russa inundada
Orsk fica na margem do rio UralFoto: Sergei Medvedev/TASS/dpa/picture alliance

Guerra contra Ucrânia antes de auxílio-catástrofe

O Kremlin reagiu antes com reticência às ocorrências em Orsk. De acordo com seu porta-voz, Dmitri Peskov, o presidente Vladimir Putin não pretendia visitar as regiões atingidas, mas estaria se ocupando sem cessar do assunto. Diversos chefes de pasta já voaram até o local da catástrofe, por ordem presidencial.

No entanto, uma declaração do ministro da Defesa Civil deixou a população ainda mais indignada: segundo Aleksandr Kurenkov, durante toda a semana anterior à enchente se tentara retirar a população, mas o anúncio foi "descartado como uma brincadeira".

Estas imagens não têm nada a ver com a Ucrânia

Consta que, na véspera mesma da ruptura, a municipalidade assegurara aos habitantes que a barragem resistiria. Em 3 de abril, o prefeito Vasily Kozupitsa escreveu em seu canal da plataforma de mensagens Telegram que havia inspecionado o dique, falado com os moradores, e que estes não temiam sofrer uma inundação.

Neste meio tempo, as agências federais de investigação abriram inquérito por negligência e violação das normas de construção, atribuindo o rompimento à falta de medidas de manutenção.

Entretanto as repartições federais não querem assumir a responsabilidade de reparar as consequências da catástrofe, critica o politólogo Abbas Gallyamov, observando que na Rússia autoritária, onde todo clima de protesto na sociedade é reprimido, as autoridades estatais perdem cada vez mais as "qualidades humanas".

"Nos andares da chefia está entrincheirada gente imbuída da lógica de um poder estatal vertical, esquecida de que a população também é um sujeito." Ele não crê que o governo vá intensificar a ajuda às vítimas da enchente, dando antes prioridade ao financiamento da guerra russa contra a Ucrânia. No momento, as autoridades locais calculam em mais de 20 bilhões de rublos (quase R$ 110 milhões) os danos da enchente na província de Oremburgo.