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PolíticaHungria

Hungria já foi acusada de ajudar fuga de ex-premiê macedônio

26 de março de 2024

Em 2018, o político macedônio Nikola Gruevski fugiu de seu país quando estava prestes a começar a cumprir pena por corrupção. Com a ajuda de diplomatas, ele acabou conseguido asilo na Hungria do aliado Viktor Orbán.

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Nicola Gruevski e Viktor Orbán posam para foto em frente às bandeiras de seus países
Nicola Gruevski e Viktor Orbán em 2015Foto: picture-alliance/dpa/epa/L. Soos Hungary

Um ex-chefe de governo estrangeiro investigado por autoridades judiciais e policiais de seu país procura ajuda de diplomatas da Hungria para escapar da prisão. O enredo, que poderia se aplicar ao brasileiro Jair Bolsonaro, já aconteceu anos antes.

Em novembro de 2018, Nikola Gruevski, um ex-primeiro-ministro ultranacionalista da Macedônia do Norte – uma pequena nação dos Bálcãs com pouco menos de 2 milhões de habitantes – estava prestes a começar a cumprir uma pena de dois anos de prisão.

Líder do governo entre 2006 e 2016, Gruevski havia sido condenado em maio de 2018 por corrupção num caso envolvendo a compra de um carro de luxo pelo governo, mas que acabou servindo para seu uso pessoal.

Após perder todos os recursos para ficar longe da cadeia, Gruevski não se apresentou à Justiça na data prevista para o início do cumprimento da pena.

Em vez disso, reapareceu em público três dias depois em Budapeste, na Hungria, distante 800 quilômetros de Skopje, a capital da Macedônia do Norte.

Uma semana depois, o governo do primeiro-ministro da Hungria, o ultradireitista Viktor Orbán, concedeu asilo político para Gruevski.

Participação de diplomatas húngaros na fuga

Logo surgiram questionamentos sobre como Gruevski havia conseguido sair da Macedônia do Norte, já que seu passaporte havia sido confiscado pelas autoridades do país. Os detalhes logo começaram a surgir, e apontaram para a participação direta de diplomatas húngaros.

Gruevski inicialmente fugiu para a vizinha Albânia. Depois, no mesmo dia, segundo as autoridades policiais albanesas, seguiu para Montenegro num carro registrado em nome da embaixada da Hungria em Tirana, a capital da Albânia. As autoridades policiais de Montenegro, por sua vez, confirmaram que Gruevski entrou e saiu do país acompanhado de pessoas com passaportes diplomáticos da Hungria, incluindo um embaixador.

Depois, com a escolta de diplomatas húngaros, se dirigiu até Budapeste, passando ainda pela Sérvia. Ele chegou à capital da Hungria no dia seguinte.

O governo húngaro se limitou a afirmar que Gruevski procurou uma representação diplomática da Hungria em um país estrangeiro para pedir asilo e negou que o governo de Orbán tanha ajudado na etapa inicial da fuga – da Macedônia para Albânia. 

Uma reportagem da DW publicada à época apontou a suspeita de participação dos húngaros até mesmo nessa etapa. Fontes apontaram que observaram vários veículos com placas diplomáticas da Hungria no estacionamento de um hotel de Skopje no qual Gruevski estava hospedado nos dias que precederam à fuga.

Na época, o ex-premiê aparentemente dissimulou seus reais planos fazendo preparativos para o cumprimento da pena, instruindo seus seguranças a comprar roupas que ele estaria planejando usar na prisão.

Os húngaros também admitiram que Gruevski não passou pelos procedimentos corriqueiros de solicitação de asilo – extremamente restritivos sob o governo nacionalista de Orbán –, alegando "razões de segurança".

Quase seis anos depois da fuga, Gruevski continua vivendo na Hungria. Em 2019, a Justiça húngara recusou um pedido de extradição apresentado pela Macedônia do Norte. Em 2022, ele foi novamente condenado pela Justiça macedônia por desvio de verbas do seu partido. Ele se defendeu em diversas ocasiões afirmando que os processos têm "motivação política" e que é vítima de perseguição por parte do governo social-democrata que assumiu o poder em 2016.

Nicola Gruevski, de óculos de sol, com repórteres ao redor
Nicola Gruevski em 2019, quando já vivia na HungriaFoto: picture-alliance/AP Photo/Z. Mathe

Aliado 

À época da fuga, o primeiro-ministro Orbán descreveu a chegada do ex-premiê à Hungria como uma "história interessante e emocionante". Posteriormente, defendeu a concessão de asilo político para seu aliado.

"Eu conheço este homem, ele foi meu colega durante muito tempo", disse Orbán. "É preciso tratar seus aliados com justiça. Se ele recorrer a nós, poderá esperar o devido processo legal".

Já um porta-voz do partido de Orbán, o ultradireitista Fidesz, descreveu Gruevski como "um político perseguido e ameaçado por um governo de esquerda, claramente sob a influência de Soros", mencionando o bode expiatório predileto do governo Orbán e da extrema direita mundial, o bilionário e filantropo liberal húngaro-americano George Soros.

Ideologicamente próximos, Orbán e Gruevski compartilham várias posições políticas, como oposição à imigração e retórica ultranacionalista. Sob a liderança de Gruevski, entre 2006 e 2016, a Macedônia do Norte se afastou de políticas pró-União Europeia e pró-Otan e passou a cultivar laços estreitos com a Rússia.

Gruevski também ganhou notoriedade internacional como um dos principais promotores da chamada política de "antiquização", que tentou reformular de maneira artificial a identidade da moderna Macedônia do Norte – majoritariamente eslava – como uma herdeira direta da antiga cultura helênica da época do imperador Alexandre, o Grande (356-323 a.C.).

Como parte dessa política, criticada pela vizinha Grécia e por especialistas como pseudo-histórica, Gruevski promoveu a construção em Skopje de dezenas de monumentos que tentavam evocar a Grécia antiga. As obras, no entanto, viraram alvo de escárnio internacional por causa do estilo kitsch.

O caso Bolsonaro

Mais de cinco anos após a fuga de Gruevski, diplomatas húngaros voltaram aos holofotes por envolvimento com outro político que enfrenta problemas na Justiça, mas desta vez em outro hemisfério.

Na segunda-feira (25/03), o jornal americano New York Times revelou que o ex-presidente Jair Bolsonaro passou dois dias na embaixada da Hungria em Brasília pouco depois de ter seu passaporte confiscado pela Polícia Federal (PF), numa aparente tentativa de obter refúgio e contornar uma eventual ordem de prisão.

O jornal obteve vídeos que mostram Bolsonaro entrando e saindo da representação diplomática húngara.

Segundo a reportagem, Bolsonaro entrou na embaixada em Brasília com dois seguranças em 12 de fevereiro e só deixou o local dois dias depois, em 14 de fevereiro. Além de vídeos de câmeras de segurança da embaixada, o NYT divulgou fotos de satélite que mostram o veículo usado pelo ex-presidente estacionado na embaixada durante esse período. No local, Bolsonaro foi recebido pelo embaixador húngaro, Miklos Tamás Halmai.

A chegada de Bolsonaro também ocorreu poucas horas depois de o ex-presidente convocar uma manifestação de apoio na avenida Paulista, em São Paulo – que acabou ocorrendo em 25 de fevereiro.

Após repercussão da revelação, o Itamaraty convocou o embaixador húngaro para prestar esclarecimentos – o que na linguagem diplomática é visto como uma forma de protesto ou de mostrar contrariedade. O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, deu 48 horas para a defesa de Bolsonaro prestar explicações sobre a estadia na embaixada.

Jair Bolsonaro e Viktor Orbán posam para foto sorrindo
Jair Bolsonaro e Viktor Orbán em 2022Foto: Marton Monus/dpa/picture alliance

Bolsonaro se defendeu afirmando que a estadia na embaixada foi meramente uma ação "para manter contatos com autoridades do país amigo". Assim como o macedônio Gruevski, Bolsonaro é ideologicamente próximo de Orbán.

O húngaro inclusive esteve na posse do brasileiro em 2019, e Bolsonaro já chamou Orbán de "irmão" durante uma visita à Hungria em 2022. Em dezembro, Bolsonaro e Orbán voltaram a se reunir em Buenos Aires, durante a posse do novo presidente da Argentina, o ultraliberal Javier Milei.