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Como Moraes se tornou pivô de ofensiva internacional

19 de abril de 2024

Alvo preferencial do bolsonarismo, ministro do STF também entrou na mira do empresário Elon Musk e republicanos trumpistas dos EUA. Ofensiva externa também já contou com apoio de representante da ultradireita alemã.

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Alexandre de Moraes sentado e olhando para o lado, em uma poltrona do STF
Moraes relata desde 2019 inquéritos no Supremo criados para investigar ameaças às instituições democráticasFoto: SERGIO LIMA/AFP

A ofensiva do dono do X (ex-Twitter), Elon Musk, contra decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que determinaram o bloqueio de contas na plataforma de acusados de ameaçar a democracia e o processo eleitoral brasileiro chegou ao Congresso dos EUA, com o apoio de republicanos aliados do ex-presidente Donald Trump.

O movimento de Musk começou no dia 6 de abril, com uma série de mensagens no X nas quais o empresário acusou o ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito das milícias digitais no STF, de ser responsável por "censura" no Brasil e afirmar que a plataforma desbloquearia as contas, em desrespeito a decisões judiciais.

Se concretizada, a ameaça resultaria em altas multas para o Twitter no Brasil e a possibilidade de a plataforma ser bloqueada no país, mas não foi cumprida por Musk até esta sexta-feira (19/04). A pressão sobre o STF, no entanto, seguiu crescendo e ganhou novos contornos com a entrada da Comitê de Assuntos Judiciários da Câmara dos EUA no circuito.

O colegiado, presidido pelo deputado republicano Jim Jordan, enviou em 12 de abril uma ordem à matriz do X, nos Estados Unidos, para que entregasse uma cópia dos ofícios do STF que solicitavam o bloqueio de contas na plataforma – e justificou a determinação citando as próprias mensagens de Musk contra a corte brasileira.

Jordan é aliado próximo de Trump e apoiou ações para questionar o resultado das eleições presidenciais americanas de 2020, vencidas pelo democrata Joe Biden.

Nesta quarta-feira, o comitê divulgou um relatório de 541 páginas, entitulado O ataque à liberdade de expressão no exterior e o silêncio da administração Biden: o caso do Brasil, contendo os ofícios do Supremo brasileiro a respeito do bloqueio de cerca de 150 contas do X.

Por que Moraes é o alvo

Moraes começou acumular poder para atuar em casos envolvendo extremistas de direita a partir de março de 2019, no início do governo Jair Bolsonaro, quando o então presidente do STF, ministro Dias Toffoli, instaurou um inquérito para investigar notícias falsas e ameaças contra ministros da corte, e designou Moraes como relator.

Esse inquérito tem duas particularidades que o distanciam do procedimento normal no direito brasileiro. Em regra, cabe ao Ministério Público instaurar um inquérito, e não ao Judiciário. Além disso, o relator costuma ser definido por sorteio. Na época, Toffoli justificou a sua decisão com base em uma norma do regimento interno do STF que autoriza a abertura de inquéritos de ofício quando há infração à lei penal envolvendo a Corte, cuja interpretação abrangeu os seus ministros.

Moraes começou então a determinar operações de busca e apreensão e a receber provas e laudos policiais sobre bolsonaristas que promoviam e financiavam a distribuição de notícias falsas, colocando o ministro em posição privilegiada, já no início do governo Bolsonaro, para compreender e combater essas redes.

Montagem de fotos de Elon Musk e de Alexandre de Moraes
Musk, agora incluído no inquérito das milícias digitais, referiu-se a Moraes como "ditador do Brasil"Foto: Slaven Vlasic/Getty Images/La Nacion/Ton Molina/picture alliance/dpa

Houve muito debate no meio jurídico sobre esse inquérito, e ele foi questionado pela Procuradoria-Geral da República (PGR), até que o plenário do Supremo confirmou em 2020, por 10 votos a 1, a sua legalidade. Um segundo inquérito foi aberto naquele ano, para investigar a organização e o financiamento de atos antidemocráticos, e encerrado em 2021 – mas um novo inquérito foi aberto a partir dos indícios coletados pela Polícia Federal nas investigações. Esses inquéritos seguiram sob a relatoria de Moraes sob o argumento de que havia conexão entre eles.

O último inquérito vem sendo amplamente utilizado por Moraes até hoje para investigar pessoas envolvidas em atos antidemocráticos, como nos ataques golpistas em Brasília em 8 de janeiro de 2023. Um dia após a primeiras mensagens de Musk ameaçando desrespeitar as ordens judiciais de desbloqueio de contas no X, Moraes incluiu o dono do X como investigado nesse mesmo inquérito.

Desde agosto de 2022, Moraes também acumula o cargo de presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e nessa qualidade também tomou decisões que determinaram o bloqueio de contas no X com base em normas eleitorais, como a vedação à divulgação ou compartilhamento de "fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral".

Bolsonaristas no Parlamento Europeu

A recente investida contra Moraes de Musk – considerado um símbolo por Bolsonaro – deu munição a políticos do campo bolsonarista, que celebraram a divulgação do relatório do Comitê de Assuntos Judiciários da Câmara dos EUA e também levaram o assunto ao Parlamento Europeu.

Um comitiva de deputados federais bolsonaristas composta por Bia Kicis (PL-DF), Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Gustavo Gayer (PL-GO), entre outros, foi na semana passada ao órgão máximo do Legislativo da União Europeia (UE), em Bruxelas, e reuniu-se com eurodeputados do grupo Conservadores e Reformistas Europeus (ECR), que tem 68 das 705 cadeiras do Parlamento Europeu.

Nos encontros, houve menções à "realidade autoritária do Brasil" e da "repressão total" que estaria sendo promovida pelo STF. Em seguida, o ECR afirmou, em um post no X, que considera os recentes desenvolvimentos no Brasil "assustadores" e que "não podemos deixar que o Brasil vire uma ditadura".

Outra autoridade estrangeira que manifestou estar ao lado de Musk em sua investida contra Moraes é o presidente da Argentina, Javier Milei, um populista de direita.

Musk recebeu Milei na fábrica de carros elétricos da Tesla no Texas na sexta-feira passada e, durante o encontro, o argentino "ofereceu colaboração no conflito entre a rede social X no Brasil e o marco do conflito judicial e político no país", segundo informou sua assessoria.

A ofensiva externa contra Moraes também conta com o apoio desde o ano passado da deputada federal alemã Beatrix von Storch, do partido Alternativa para a Alemanha (AfD), de ultradireita. Em maio de 2023, durante uma missão oficial ao Brasil, ela afirmou que Moraes seria "o maior criminoso" do país, e que "o coração de todo totalitário se derrete ao ver o poder desse senhor".

Durante a viagem ao país, ela encontrou-se com Eduardo Bolsonaro e referiu-se ao ex-presidente Bolsonaro como "portador da esperança dos conservadores brasileiros". Numa visita anterior ao Brasil, em 2021, ela foi pessoalmente recebida por Bolsonaro.

Críticas a Moraes não partem apenas da extrema direita

O poder acumulado por Moraes na condução do inquérito das milícias digitais desperta críticas não somente de políticos da extrema direita, mas também de alguns especialistas em direito e de parte da sociedade que avaliam que o ministro estaria se excedendo e desrespeitando regras processuais.

Um motivo dessas contestações decorre da própria natureza do inquérito das milícias digitais, originado numa iniciativa do próprio Supremo, em vez de no Ministério Público. Por isso, decisões como a suspensão de perfis no X vêm sendo tomadas sem pedido anterior da Promotoria.

Outra crítica comum a Moraes é de que o escopo do inquérito das milícias digitais estaria sendo ampliado de forma excessiva. Um exemplo é a investigação sobre a falsificação do certificado de vacina de Bolsonaro, que foi realizada dentro do mesmo inquérito.

Também é apontado que o sigilo do inquérito das milícias digitais impede que a sociedade avalie se a suspensão de contas em redes sociais, sob o argumento de proteção de democracia, é justificada diante de outras garantias constitucionais, como a liberdade de expressão

Por fim, críticos também sublinham que as eleições presidenciais e a posse do atual governo federal, assim como os atos golpistas em Brasília, já ocorreram há mais de um ano, e que portanto já seria a hora de o Supremo concluir o inquérito das milícias digitais, e que eventuais crimes contra a ordem democrática fossem processados pelos caminhos mais usuais do sistema de Justiça, sob a iniciativa do Ministério Público.