1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Com tanto foco na China, o Brasil enxerga o resto da Ásia?

5 de maio de 2023

Exportações brasileiras para países asiáticos excluindo o gigante chinês mais que dobraram desde 2010, superando as para o Mercosul. Mas potencial de mercados da "Ásia sem China" ainda é subexplorado, afirmam analistas.

https://p.dw.com/p/4QtoI
Navio e contêineres no porto de Santos
Entre 2010 e 2022, as exportações brasileiras para a "Ásia sem China" saltaram 104%Foto: Nelson Almeida/AFP

Principal parceiro comercial do Brasil, a China vem dominando a pauta exportadora brasileira nos últimos anos. Mas, para além do gigante asiático, o continente reúne outros mercados dinâmicos, motores de desenvolvimento econômico. A chamada "Ásia sem China" já é o segundo maior destino das exportações brasileiras, ao lado da União Europeia (UE) e bem à frente do Mercosul, mas deveria estar mais no foco do Brasil, apontam analistas ouvidos pela DW.

"Acho que ainda há um grande desconhecimento sobre a Ásia, de maneira geral. Concordo que a China atraiu atenções nos últimos tempos, mas gosto muito da ideia de a gente tratar da 'Ásia menos China'. Tirar a China da Ásia, sob o ponto de vista analítico, é útil porque nos permite enxergar nuances que somem quando você tem um país do peso econômico como o chinês no grupo", analisa a secretária de Comércio Exterior do governo federal, Tatiana Prazeres.

Um levantamento realizado pelo Instituto Econômico de Pesquisa Aplicada (Ipea) a pedido da DW revela o dinamismo das exportações brasileiras para os países asiáticos, além da já conhecida expansão do comércio com a China.

"As vendas para os países asiáticos, excluindo a China, já se igualaram às exportações para a União Europeia. Superaram, inclusive, em 2021. Destaco também a queda do comércio com o Mercosul", aponta Fernando Ribeiro, coordenador de Estudos em Comércio Internacional do Ipea.

Entre 2010 e 2022, as exportações para a "Ásia sem China" saltaram 104%, enquanto as vendas para a União Europeia cresceram 30%. O Brasil exporta mais para os países asiáticos (excluindo China) do que para o Mercosul e o Oriente Médio somados.

Na prática, em 2022, o Brasil vendeu 28% de tudo o que exportou para a China, 16% para a União Europeia (UE), 15% para a região da Ásia excluindo China, e 7% para o Mercosul. Nos dois últimos anos, a UE e países asiáticos estiveram praticamente nos mesmos patamares na pauta brasileira.

Diversificação contra dependência da China

"Uma das grandes características das nossas relações externas sempre foi um elevado grau de diversificação geográfica. As exportações para a China já chegaram a 30%, agora estão um pouco abaixo disso. E é desejável que não cheguem a mais do que isso em termos de participação. O ideal é que todo mundo cresça", analisa a economista Sandra Rios, que por mais de dez anos foi diretora de integração internacional da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e hoje dirige o Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes).

"Acho que faz todo sentido olhar para a região da 'Ásia não-China'. São mercados importantes, politicamente mais diversificados. Ajudam a mitigar um pouco a dependência da China. São grandes importadores de alimentos e commodities, e há grande complementação de estrutura produtiva com o Brasil", afirma.

Isoladamente, a sub-região do Sudeste Asiático mais do que duplicou de peso nas exportações brasileiras entre 2010 e 2022, de 3,3% para 7,2%, ficando pouco à frente dos 7% de vendas para o Mercosul. Dez países asiáticos integram a Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean), e cinco deles destacaram-se nos últimos anos na performance como destinos das exportações brasileiras: Tailândia, Vietnã, Indonésia, Malásia e Cingapura.

Região especialmente atrativa para o agro

A maior parte das exportações para a região da "Ásia sem China" se compõe de produtos agrícolas. "Como a renda e o tamanho da população são drivers importantes para determinar as tendências no consumo de alimentos de um país, esta é uma região que se torna extremamente atrativa para países exportadores de alimentos, como é o caso do Brasil", afirma a a diretora de Relações Internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária no Brasil (CNA), Sueme Mori.

Atualmente, as exportações do agronegócio brasileiro ainda se concentram em China, UE e EUA, que reúnem juntos 54,6% das exportações do setor. No entanto, nos últimos dez anos, as exportações do agro para os países da Asean aumentaram 117%, o que significa o dobro do crescimento das vendas para o mundo como um todo (59%).

Mori argumenta que há oportunidades potenciais tanto nos países em desenvolvimento quanto em países mais desenvolvidos da região asiática a serem aproveitadas. Ela aponta que mercados com baixa renda, em geral, consomem mais cereais e tubérculos, enquanto mercados em crescimento passam a um consumo maior de proteínas de origem animal.

"Os países asiáticos estão entre os que apresentam as maiores taxas de crescimento ao redor do mundo, tanto em termos populacionais quanto em termos de renda. Entre 2000 e 2019, enquanto a renda per capita mundial dobrou, os mercados do Sudeste Asiático experimentaram crescimento que levou esse parâmetro a ser até oito vezes maior em relação a 2000, caso de Vietnã e Mianmar, por exemplo", afirma a diretora da CNA.

"Diálogo aquém da importância comercial"

O Banco Asiático de Desenvolvimento (ADB) prevê para este ano um crescimento de 4,8% para as economias da região Ásia-Pacífico ante 2022. Excluída a China, prevista para crescer 5%, o restante da Ásia cresceria 4,6%. Por diferentes sub-regiões, as previsões do ADB para 2023 são as seguintes: Cáucaso e Ásia Central (crescimento de 4,4%), Leste Asiático (4,6%), Sul Asiático (5,5%), Sudeste Asiático (4,7%) e Pacífico (3,3%).

Além da própria história recente de enriquecimento e fortalecimento da classe média na Ásia, ocorreu nos últimos anos um upgrade tecnológico em países da região, que contam com cadeias industriais integradas e, atualmente, diversificadas, além de vínculos comerciais muito fortes entre si e elevado volume de comércio intrarregional, aponta Fabiana D'Atri, coordenadora do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco.

A secretária de Comércio Exterior Tatiana Prazeres também ressalta o comércio intrarregional relevante e que há um esforço do Brasil para explorar melhor o potencial dessa dinâmica região.

"Há um esforço de promoção comercial que é muito importante, de posicionar o produto brasileiro lá, trazer inteligência comercial para as empresas brasileiras, e identificar oportunidades para aquelas que ainda não exportam para a região. Para o comércio mais qualificado, de maior valor agregado, a promoção comercial é fundamental na região, que é especialmente desconhecida do público brasileiro", diz a secretária.

"Nosso conhecimento e diálogo com os países asiáticos estão visivelmente aquém da importância comercial que esses países adquiriram para nós. Reconhecidas as dificuldades, será indispensável redobrar os esforços para criar vínculos mais fortes com a região", argumentam especialistas do Asia Group, do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), que tem entre seus integrantes o ex-embaixador brasileiro na China Marcos Caramuru e a atual secretária de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, Tatiana Rosito.

Desafio também para o Mercosul

O baixo aproveitamento do potencial dos mercados asiáticos para além do chinês representa um desafio não apenas para o Brasil, mas também para o Mercosul como um todo, afirma Diego Guelar, que foi embaixador da Argentina na China, União Europeia, Estados Unidos e Brasil e coordenador do bloco sul-americano em Bruxelas.

"Temos de ter uma unidade Mercosul desenvolvendo os mercados asiáticos extra China. O centro do mundo hoje é a Ásia-Pacífico, não mais o Atlântico. E não apenas a China, principal parceiro da Argentina e do Brasil. Precisamos de uma prioridade, não temos ainda decisão forte de desenvolver o mercado com os asiáticos", diz.

O diplomata participou das negociações do acordo comercial Mercosul-União Europeia desde o início, há mais de duas décadas. "Estou otimista com o acordo. Quase 25 anos [de negociação] são muito tempo, e temos de terminar. Mas o futuro está na região Ásia-Pacífico. Isso mudou, e mudou nas últimas duas décadas. Quando começamos a negociação com a União Europeia, a concepção Atlântica era lógica. Agora, o mundo mudou", afirma.