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As falhas de certificadoras que concedem selos verdes

Serdar Vardar | Pelin Ünker
3 de março de 2023

Ampla investigação jornalística expõe problemas de certificadoras ambientais em vários países, inclusive no Brasil. Auditores fazem vista grossa para danos causados por empresas que se dizem sustentáveis.

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Ilustração mostra troncos empilhados, executivo de paletó com motosserra e notas de dólares voado
Ilustração da Deforestation Inc., investigação jornalística sobre certificadoras ambientais que se estendeu por nove mesesFoto: Ricardo Weibezahn - ICIJ

Uma investigação intitulada Deforestation Inc., feita pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, do nome em inglês) e 39 parceiros de mídia, incluindo a DW, revela como certificadoras ambientais são usadas para validar produtos florestais ligados a abusos dos direitos indígenas, corte ilegal de madeira e desmatamento insustentável.

A destruição de florestas tem um papel fundamental na mudança climática. Cientistas estimam que o desmatamento para fins agrícolas ou de construção seja responsável por mais de 10% das emissões globais de gases de efeito estufa.

Órgãos de certificação como a Forest Stewardship Council (FSC) estabelecem normas e diretrizes de como florestas devem ser manejadas de forma responsável. Eles afirmam que os produtos que certificam, tais como madeira, papel e óleo de palma, são provenientes de florestas gerenciadas de forma responsável.

O objetivo, dizem, "é promover um manejo ambientalmente correto, socialmente benéfico e economicamente próspero das florestas do mundo". Mas a Deforestation Inc. mostra que frequentemente tais objetivos não são atingidos.

Violações na Indonésia e no Brasil

Durante a investigação, que durou nove meses, repórteres rastrearam as pegadas de madeireiros em todo o mundo, entrevistando envolvidos e analisando centenas de documentos em vários idiomas.

Eles descobriram que pelo menos 160 empresas na Indonésia − um dos maiores exportadores de madeira tropical do mundo − desconsideraram regulamentações ambientais durante a última década. As violações vão desde operar sob falsas licenças e extração ilegal até a destruição do habitat de elefantes e do tigre-de-sumatra, ameaçado de extinção.

No entanto, empresas de auditoria responsáveis pela fiscalização do setor madeireiro em busca de certificação de sustentabilidade não relataram as violações. Como resultado, foram mantidos selos verdes, enganando assim os consumidores. 

Irregularidades similares foram identificadas no Brasil. A Deforestation Inc. descobriu que 54 empresas certificadas pela FSC no país foram multadas em milhões de dólares por cometerem infrações ambientais.

Questionada pelo ICIJ e os veículos parceiros, a certificadora FSC disse que não tinha conhecimento de que as empresas em questão haviam sido investigadas e penalizadas. Ela informou que suas normas "focam nas operações florestais, e pode haver muitas outras questões ambientais que não são cobertas".

Como e por que as empresas pagam pela certificação?

Embora não haja exigência legal para que as empresas tenham selo da FSC ou outra certificação, isso se tornou quase um padrão da indústria para grandes companhias que buscam mostrar a investidores, acionistas e clientes que sua marca está comprometida com diretrizes ESG (do inglês "environmental, social and governance", ou seja, ambientais, sociais e de governança).

Fundos de investimento ESG cresceram rapidamente nos últimos anos, e empresas que buscam entrar no mercado, que pode atingir um valor de 53 trilhões de dólares (cerca de R$276 trilhões) até 2025, exibem esse compromisso pagando a auditores uma taxa anual por certificação reconhecida.

São principalmente empresas do Norte Global, onde as regulamentações já são muito mais rígidas, que pagam o caro preço das certificações ambientais. A aceitação é menor em países como a Indonésia e o Brasil, onde o desmatamento insustentável é mais generalizado e os riscos para auditores são maiores.

"Não é brincadeira, há pessoas armadas na floresta", afirma o auditor florestal Marcos Planello, baseado em São Paulo. "Nós [auditores] só vamos a uma área quando uma empresa quer ser certificada voluntariamente."

Ele diz que a certificação continua sendo uma forma válida de reduzir o risco de exploração insustentável de florestas e abusos dos direitos humanos, mas acrescenta que, "se uma empresa quiser fazer algo errado, ela vai fazer".

Como funciona o processo de auditoria?

Jonathan White, advogado da ClientEarth com experiência em responsabilidade corporativa e risco climático, diz que o espaço não regulamentado que é a auditoria ambiental cria um problema de responsabilidade.

"Se esse tipo de órgão de verificação cumprisse um papel robusto... Eles deveriam ser céticos e verificar as alegações das empresas. Eles deveriam ir atrás das informações que elas fornecem."

Além das taxas anuais de administração, a FSC também depende de doações. A FSC US recebeu doações de empresas globais como Home Depot, Kimberly-Clark, Procter & Gamble e International Paper, as quais comercializam seus produtos como certificados pela FSC. O logotipo da certificadora pode ser encontrado estampado em diversos itens do dia a dia, como cadernos, copos de papel, móveis e até mesmo sabão em pó, entre milhares de outros produtos.

O que dizem os críticos?

Muitas ONGs que faziam parte da FSC já o deixaram − incluindo o Greenpeace International. Simon Counsell ajudou a estabelecer a FSC, mas sua crescente frustração com o órgão o levou a fundar a FSC-watch.com, uma plataforma onde ele e sua equipe publicam notícias relacionadas às atividades da certificadora.

Milhares de troncos de madeira empilhados em balsa sobre a água
Barcaça cheia de toras de madeira é puxada ao longo do rio Mahakam na IndonésiaFoto: AFP/Getty Images

Ele diz que há "conflitos estruturais de interesse" embutidos no sistema. O principal é que os clientes florestais pagam os auditores. "Não há supervisão da FSC, nunca houve", aponta.

E como um auditor pode inspecionar o mesmo cliente por anos, Counsell diz que relacionamentos "agradáveis" se formaram nas três décadas desde que a FSC foi estabelecido.

"Os auditores visitam brevemente os locais e repõem os mesmos documentos da última vez. Há um interesse em certificar as empresas, e não em encontrar problemas."

Como um número crescente de marcas se dispôs a comprar selos verdes ao longo dos anos, mais de uma dúzia desses órgãos de certificação e muitos programas afiliados surgiram em todo o mundo − cada um com seu próprio selo e critérios de sustentabilidade. Mas a FSC e o Programa de Endosso da Certificação Florestal (PEFC, na sigla em inglês) continuam influentes. As duas organizações dizem ter certificado mais de 474 milhões de hectares de floresta, o que é maior que a área da Índia, como "sustentável".

Qual é a solução?

Em um comentário ao ICIJ, o PEFC disse que foi reconhecido pela ONU como um indicador de progresso em direção aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e ao Acordo de Biodiversidade. E a FSC afirmou que, como ferramenta voluntária, "não afirma que pode sozinho resolver problemas multifacetados como o desmatamento".

Mas Counsell diz que "quanto mais fracos as certificadoras, melhor para o cliente" e defende que o secretariado da FSC aloque auditores para empresas que buscam a certificação. "Eles poderiam encorajar estruturalmente a competição pelas auditorias mais fortes."

Áreas florestais cedem espaço à plantação de palmas para produção de óleo
Destruição da floresta tropical indonésia é associada à eliminação do habitat de orangotangos ameaçados de extinçãoFoto: Bay Ismoyo/AFP/Getty Images

Em uma entrevista recente à emissora pública alemã WDR, o diretor-geral da FSC, Kim Carstensen, disse que "em um mundo ideal, os governos desempenhariam um papel maior na proteção das florestas".

A Comissão Europeia está agora considerando uma legislação para direcionar as práticas de greenwashing, que pode ser lavagem ou maquiagem verde. Um documento vazado propõe um sistema de verificação independente e penalidades para empresas que fazem reivindicações ambientais sem fundamento. Um primeiro rascunho oficial é esperado ainda este mês.

Se isso significa que as práticas inconsistentes dos auditores serão consideradas greenwashing e enfrentarão penalidades, permanece incerto.

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Repórteres que contribuíram para este texto: Scilia Alecci, Agustin Armendariz, Jelena Cosic, Emilia Diaz-Struck, Miguel Fiandor, Karrie Kehoe, Brenda Medina, Delphine Reuter, Margot Williams (ICIJ), Anne-Laure Barral (Radio France), Allan de Abreu (Piauí), Attila Biro (Context), Petra Blum (WDR), Krisna Pradipta (Tempo), Stefan Melichar (Profil), Francisca Skoknic (LaBot), Kirsi Skön (YLE), Lina Verschwele (Der Spiegel).